Artigo de Álvaro Santos Pereira
[A]ndámos anos a fio a “disfarçar” os défices do presente ao chutarmos sistematicamente o pagamento de despesas para um futuro mais ou menos longínquo. Neste sentido, e segundo vários relatórios do Tribunal de Contas, os nossos governos não só utilizaram inúmeros truques para aumentar temporariamente as “receitas” do Estado (como a incorporação dos fundos de pensões da PT no sistema público), mas também efectuaram toda uma série de desorçamentações, e abusaram do recurso às chamadas parcerias público-privadas (PPPs). As PPPs permitem que o Estado mande construir obras públicas sem que tenha de pagar um mero cêntimo nos 5 a 10 anos seguintes. E foi assim, com todos estes expedientes, que durante anos os nossos governos apresentaram défices “históricos” e uma dívida pública “controlada”. Tudo feito sem mencionar o pequeno grande pormenor de que essas despesas teriam de ser pagas num belo dia. Por quem? Pelos governos que se seguiam e pelos nossos filhos. É que, quando os governos escondem os seus défices, quem paga são sempre os mesmos: os contribuintes e as gerações futuras. Mas isso não interessa. O que interessa é ganhar as eleições e tentar fazer com que os eleitores não percebam os truques utilizados para disfarçar a incompetência e a irresponsabilidade dos nossos governantes. E foi assim que chegámos à triste situação que hoje nos encontramos.
Será que podemos voltar a falar da urgência de efectuar uma auditoria externa às contas públicas? Interessa quantificar o impacto destas artimanhas contabilísticas e saber quanto vão agravar nos próximos anos a despesa pública. Mas todos estes “truques” são mais que conhecidos. Interessa também saber se existem outros que desconhecemos.
O Professor Álvaro Santos Pereira analisa aqui a evolução, consequências e razões do endividamento empresarial:

Quais são as empresas mais endividadas? Como mostro no meu novo livro, 8 das 10 empresas mais endividadas são empresas do Estado e/ou empresas que se endividaram para participar nas PPPs. O livro mostra ainda que entre 40% e 50% do endividamento total da economia se deve, directa ou indirectamente, ao nosso Estado e à obsessão fontista dos nossos governantes. Por outras palavras, o endividamento empresarial foi de certa forma fomentado pelo próprio Estado.
Nos próximos tempos, o elevado endividamento empresarial terá duas importantes consequências para a economia nacional. Em primeiro lugar, as empresas terão necessariamente de diminuir o seu nível de endividamento, até porque a oferta de crédito está hoje bem mais reduzida. do que há alguns anos atrás. Em segundo lugar, muitas das empresas mais endividadas não poderão participar activamente na nova vaga de privatizações planeada para os próximos anos. Por outras palavras, o sucesso das novas privatizações poderá ser condicionado pelo elevado endividamento empresarial. Por isso, mais activos poderão ter de ser vendidos ao estrangeiro e é até possível que as receitas das privatizações venham a ser menores do que o planeado. Esperemos que não, mas é provável que tal aconteça.
Vi ontem (talvez pela primeira vez) o debate semanal entre Morais Sarmento e Francisco Assis. Extraordináriamente contou com a presença de Álvaro Santos Pereira que discutiu e as conclusões do seu livro com os “residentes”. Resumindo. Correu tudo bem e as reformas foram todas acertadas e executadas. O único comentário que faço é este. Não percebo onde se foi buscar a ideia que Assis era o paradigma da honestidade.
Segundo a mitologia socrática a responsabilidade pela miserável estado do país é atribuida à crise internacional ou ao PSD. Consoante o que mais se adequa ao discurso do momento e sem que se preocupem demasiado com a consistência do argumentos. Só o seu governo socialista parece ficar eximido de qualquer responsabilidade. O Professor Álvaro Santos Pereira contribui (mais uma vez) para desmascarar a mentira do Primeiro-Ministro.
Nota 2: Seria bom que o próximo governo adoptasse uma postura substancialmente diferente do actual quantos aos problemas estruturais que nos trouxeram até
aqui. Implicava parar deixar de confundir a maquilhagem das estatísticas com reformas estruturais e abandonar a ideias que é possível compatibilizar o estado social(ista) com o aumento da riqueza. Nada me garante que os próximos governantes sejam agentes dessa mudança. Já aos actuais deixaram bem vincada a sua incompetência.
Nota 3: Se o PSD não gostar dos termos da moção bloquista que apresenta a sua.

A propósito do artigo do Público recomendo os posts que o Prof Álvaro Santos Pereira tem dedicado ao tema no Desmitos.

Àlvaro Santos Pereira: “As origens do monstro” e “As origens do monstro (2)”
[C]ontrariamente ao que às vezes se apregoa, o crescimento do “monstro” começou durante o regime Salazarista, principalmente a partir dos anos 1950, quando os gastos públicos aumentaram tremendamente.(…) Quando o PIB abrandou a partir da década de 1970, mas os gastos públicos mantiveram um elevado crescimento, estavam criadas as condições para um crescimento exponencial do nosso Estado. (…)
É verdade que desde então o ritmo de crescimento do consumo público baixou (…), mas, mesmo assim, permaneceu vários pontos percentuais acima da taxa de crescimento da economia nacional. Com efeito, é perfeitamente patente que, nos últimos 60 anos, o crescimento dos gastos do Estado tem sido muitíssimo mais acentuado do que o crescimento do produto nacional (linha picotada).
Vale igualmente a pena realçar que o declínio da taxa de crescimento dos gastos públicos foi travado no final dos anos 90, quando, durante o crescimento do Estado foi mais uma vez impulsionado pelos governos de António Guterres, quando o crescimento anual das despesas públicas foi muito elevado. A partir dessa altura, a taxa de crescimento de tendência do consumo público tem permanecido praticamente inalterada, e nenhum dos governos da última década conseguiu travar o despesismo do Estado. Os gastos públicos continuaram a crescer a ritmos mais elevados do que o PIB nacional, aumentando inexoravelmente o peso do Estado na economia. Como a economia estagnou na última década, estavam criadas as condições para que o “monstro” ficasse fora de controlo, contribuindo para a lamentável situação actual.
também publicado no Cachimbo de Magritte
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