“Do Céu que os protege” de Fernando Gabriel (Diário Económico)
O bombardeamento da Líbia é um acto cínico, demonstrativo da vulnerabilidade das democracias à imoralidade do oportunismo -o “futuro” anunciado aos líbios pelo cometa ardente dos mísseis que do céu os “protegem”. A coisa não se explica nem por cupidez nem por estupidez. (…)
Obama e Sarkozy aparecem unidos num virtuoso proselitismo bombista, mas não é da liberdade dos líbios que se trata: é da consciência da necessidade. Com uma aguda consciência da sua necessidade eleitoral, agravada pelos resultados das eleições locais, Sarkozy saiu disparado das boxes. Seguiram-se os ingleses e Obama, que estava em dia de ocidentalismo. Chamar-lhes descendentes de Gladstone é apoucar o intelecto do estadista vitoriano: são apenas populistas, antecipando que as acrobacias pós-heróicas nos céus da Líbia serão recompensadas com votos, porque este tipo de operações satisfaz o desejo de santidade de um certo eleitorado, que confunde o discurso moral com a pieguice humanitária e a guerra com a paz.
Bem podem algumas vozes ajuizadas lembrar que ninguém no chamado “mundo árabe” agradecerá a operação; que as histórias disseminadas por fanáticos do islamismo servirão para motivar inúmeros terroristas; ou que tem de ser a hipócrita Liga Árabe a assumir o ónus financeiro e militar de garantir a ordem civil na Líbia. A beatice internacionalista dá votos e isso basta para legitimar o bombardeamento “democrático” da Líbia. A derradeira ironia resulta do contraste entre a intenção e a realidade da ONU. Sendo o resultado funcional de um movimento internacionalista nascido da rejeição do cálculo paroquial de “interesses”, que se supunha levar inevitavelmente ao conflito, a ONU tornou-se há muito numa plataforma de corrupção e de autorização desresponsabilizada de intervencionismos arbitrários e estranhamente selectivos. O mundo seria um lugar mais seguro sem ela e a sua perigosa ilusão de “governança mundial”.